O problema cultural da igreja não está em descobrir formas de interagir com a cultura “de fora”, mas em descobrir formas de eliminar a “cultura de dentro”. Toda missão de uma igreja é transcultural se você percebe que a própria igreja desenvolveu e mantém-se profundamente embebida em uma cultura própria, alienada, desconectada do mundo ao redor.
O cristão moderno tem músicas, revistas, programas de televisão e rádio, grifes de roupa, livrarias, eventos, feiras, restaurantes, shows de música, dança e teatro voltados para entretenimento próprio.
Na nossa realidade cristã, o auge do discipulado acontece quando conseguimos transformar um crente novo em alguém tão esquisito e alienado quanto nós mesmos. Quando conseguimos por fim isolar completamente o novo convertido do mundo “de fora” e aprisioná-lo, junto conosco, naquilo que Caio Fábio chamou de “triângulo da morte”, que resume nossa existência nesse mundo ao ciclo “casa-trabalho-igreja”.
Nos esforçamos para fazer com que os eventos da igreja tenham uma cara mais palatável para os “de fora”. Acreditamos que “interagir com a cultura” é tocar as músicas do louvor em um novo ritmo, mudar a liturgia aqui e ali, fazer retoques na estrutura eclesiástica arcaica, criar um novo evento e extinguir um antigo. Mas não temos coragem e disposição suficiente para darmos liberdade para que aqueles que foram libertos pelo Evangelho possam vivê-lo livremente nos ambientes de onde eles vieram e influenciar esses ambientes, e os amigos que estão lá, com a graça que os alcançou e libertou. Nosso grande pavor é perder a alma do infeliz se o deixarmos sair dos muros de segurança da subcultura cristã. Nosso esforço só é recompensado, quando o novo crente demonstra de forma clara os novos padrões de comportamento estético adquiridos.
É espantoso ver que pessoas com anos de igreja ainda se perguntam se podem jogar baralho, ouvir essa ou aquela música, ver esse ou aquele filme, tratar-se com homeopatia ou pegar na mão do namorado.
De nada adianta disfarçar-nos com manifestações culturais “externas”, se ainda permanecemos cativos da cultura interna. Precisamos perder o medo e conduzir o povo pra fora dos nossos muros e mostrar que tem pasto verde do lado de fora. A cultura popular pode nos alimentar a alma. Beleza e espiritualidade estão conectadas e um filme ou música “secular” pode nos levar a um momento da mais pura adoração. E técnicas orientais de meditação podem nos fazer mais sensíveis à voz do Espírito Santo, na medida em que nos ensinam a afastar-nos da maluquice do ritmo de vida pós-moderno.
Evidentemente tudo isso pode também nos fazer mal. Mas a submersão na cultura evangélica alienada é um mal terrível que vem, em pele de cordeiro, nos comendo pelas beiradas, e nós não o distinguimos direito.
Publicado originalmente no blog A TRILHA.
0 comentários:
Postar um comentário